sexta-feira, 4 de maio de 2012

"PAR PARE RESPONDERE DICTO"

A Única Derrota do Incrível Barão de Munchhausen

Conto de E. Yavich

A versão em português foi produzida por Marcos Maldonado Roland (a partir de um texto espanhol) para publicação na revista "Lance" (n° 5 / setembro, 1995) onde era editor técnico. O original russo tem autoria de E. Yavich e foi publicado no periódico russo "64".
Marcos Roland, além de editor da revista "Lance" e jogador de xadrez, também foi Campeão Brasileiro de Soluções de Problemas de Xadrez em 1992 e possui o título de Mestre Nacional de Soluções de Problemas
de Xadrez.

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"Ao final de um longo dia de inverno, estávamos todos reunidos ao redor de Munchhausen. Naquela noite ele se encontrava particularmente animado e com uma verve inesgotável. Estávamos subjugados por suas fantásticas histórias e seus relatos brilhantes e espirituosos. Após o anedotário de caça e pesca, chegou a hora de falar sobre nosso jogo favorito e um de nós perguntou: “Diga, Barão, você já perdeu na vida alguma partida de xadrez?”

O olhar do narrador ficou quase imperceptivelmente sombrio, mas rapidamente recuperou sua habitual serenidade.

“Ah!, meus queridos amigos – disse -, isso me sucedeu uma vez em minha vida e não esquecerei jamais... Como vocês não ignoram, enfrentei diante das sessenta e quatro casas os mais célebres jogadores do mundo. Muito poucos dentre eles podiam resistir a meu jogo audaz e forte. Mas uma vez..."

Eis aqui a estranha aventura que o Barão de Munchhausen nos relatou:

“Isto aconteceu comigo há muito tempo. Era jovem então e freqüentava o célebre Café de la Regence, que conservava ainda as lembranças dos tempos gloriosos de Deschapelles e La Bourdonnais. Logo a força de meu jogo e, sobretudo, a de minha língua incansável fizeram-me imbatível.

Certa vez, observando uma partida qualquer e discutindo em voz alta - como era de meu costume - as vantagens ou inconvenientes dos movimentos realizados, dei-me conta de um desconhecido presenciava a mesma partida sem dizer palavra. Parecia que não apreciava devidamente meus irônicos comentários. A sua audácia ofendeu-me e, ipso facto, quis lhe dar uma lição.

Cavalheiro – disse-lhe – quer jogar uma partida comigo? Não, não pense em escapulir-se! – acrescentei -. O senhor jogará comigo queira ou não e ademais rapidamente! Há aqui uma mesa livre.

Observou-me com ar aterrorizado e docilmente tomou assento. Fiquei com as peças brancas e eis aqui a partida que comecei com grande vigor:

1.e4 d5 2.e5 d4 3.c3 f6 4.exf6 dxc3 5.fxe7 cxd2+ 6.Bxd2 Bxe7 7.Nf3 Nc6 8.Nc3 Nf6 9.Ne2 Nd7 10.Nfd4 Nce5


Nesse momento pensei que ganharia a dama e joguei... 11.Ne6 Mas meu temível adversário, sem dizer palavra, replicou... 11...Nd3#

E, com tristeza, percebi que tinha levado mate!

Uma partida não prova nada! – exclamei. Joguemos outra. Permita-me novamente as brancas, suponho, já que o senhor ganhou?

1.e4 d5 2.d3 e6 3.Nf3 Nc6 4.Bg5 Bb4+ 5.Ke2 Um plano estratégico muito profundo. 5...Qd7 6.Nc3 Nf6 7.a3 h6 8.Bh4 Ba5 9.e5 d4 10.Na4 Para aponderar-me da fraca casa c5 10...Nh5


11.Nc5 Nf4#

... E com assombro dei-me conta que havia levado mate.

Aborreci-me novamente. A assistência em volta de nossa mesa era muito numerosa, já que se havia espalhado o rumor de que eu estava perdendo e todos haviam parado de jogar para certificar-se desse fato incrível. Rangi os dentes e solicitei uma terceira partida. Como tinha perdido as duas anteriores, por justiça deveria jogar com as brancas e meu adversário não se incomodou com isso nem um pouco. Eis aqui nossa terceira partida:

1.e4 d5 2.d4 e5 3.c4 f5 4.f4 c5 Para evitar complicações, decidi-me por uma longa série de trocas denominada desde então "Variante Munchhausen" 5.exf5 dxc4 6.dxc5 exf4 7.Bxf4 Bxc5 8.Bxc4 Bxf5 9.Bxb8 Bxg1 10.Bxg8 Bxb1 11.Rxb1 Rxg8 12.Rxg1 Rxb8 Neste momento refleti muito e, para aclarar a posição, decidi trocas as damas 13.Qxd8+


Julguem vocês meu assombro e a surpresa de todos os espectadores quando meu adversário, com ar muito decidido capturou meu rei, jogando... 13...Kxe1 (!)

Deixe de lado suas brincadeiras – exclamei raivosamente – Coloque meu rei em seu lugar!

- E o senhor, por que jogou com o seu? – Perguntou ingenuamente.

- Que pergunta estúpida! O senhor não é capaz de distinguir um rei de uma dama?

-Não - respondeu friamente – Não conheço nada desse jogo; queria dizê-lo desde o primeiro momento e o senhor não se dignou a escutar-me. Tudo que fiz foi imitar os movimentos que o senhor fez com as brancas.

Esta declaração inesperada foi coroada por uma explosão louca de riso. Todo mundo estava alvoroçado. Jamais me impingiram gargalhadas tão desagradavelmente. Asseguro-lhes que não me encontrava à vontade. Todo o meu prestígio pendia por um fio.

Eis aqui um caso extraordinário – disse o mais alto possível.Todo o ruído cessou; escutavam-me. – Um homem que nem sequer conhece o movimento das peças ganha de um jogador forte e experimentado... Estou seguro de que uma aventura tão extraordinária não pode acontecer senão a um homem também extraordinário, somente a mim, o Barão de Munchhausen!

E depois dessas palavras retirei-me. Minha honra estava a salvo; mas durante muito tempo não toquei nas peças de xadrez”.

(p)2007 por Leo Mano. Rio de Janeiro - RJ, Brasil. "

MORAL DA HISTÓRIA: Nunca subestime um adversário. Ele pode derrotá-lo usando suas próprias táticas...

"Patere legem, quam ipse tulisti"

Trad: Sofre a lei que tu mesmo fizeste. ■Tu fizeste o mal, tu o pagarás. ■Quem fez seu angu, que o coma.
FONTE: http://www.hkocher.info/minha_pagina/dicionario/p02.htm

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